Outono Jazz 2024 (1) (*)
AngraJazz 2024
O primeiro dos grandes festivais de jazz de outono nacionais comemora 25 edições, apenas interrompidas pela pandemia; as razões para celebrar são muitas e este ano vai haver festa!
Nascido na pérola do Atlântico, o AngraJazz logrou ao longo dos anos superar as adversidades da insularidade e afirmar-se uma instituição. Por ele passou a nata do jazz dos dois lados do oceano, centenas de músicos!, mas muitos pequenos segredos que apenas alguns conhecem. Programação variegada, atenta e moderna, sem se deixar levar por modismos, sólida e rigorosa, e irredutivelmente jazz.
Em ano de festa o AngraJazz prolonga-se por mais um dia, dois concertos e muitas surpresas; ao todo cinco internacionais e dois nacionais, e ainda a orquestra, já filha adulta do festival, com o ilustre convidado Perico Sambeat, com que abre o festival.
O festival arranca dia 2 de Outubro, e à Orquestra AngraJazz sucede-se o quarteto de Camilla George, a jovem estrela do brit jazz. Camilla possui uma sonoridade de matriz coltraneana, singularmente matizada com elementos da pop, hip-hop, soul, jamaicana e africana.
O segundo dia começa com o raro encontro de dois dos mais brilhantes pianistas da cena nacional, Mário Laginha e João Paulo Esteves da Silva. Laginha e João Paulo são dois artistas completos, músicos que aliam o virtuosismo instrumental ao engenho como compositores, e a expectativa em torno deste concerto é verdadeiramente legítima.
A “noite da cantora” tem como protagonista Catherine Russell. Nascida de uma família com grandes tradições musicais e jazzísticas, e apesar de uma longa carreira nas background vocals, ao lado de Madonna, Paul Simon, Diana Ross ou David Bowie, entre inúmeros outros, o seu primeiro disco a solo surge muito tarde; e desde logo como um sucesso, com prémios por todo o lado, incluindo um grammy. Cantora de jazz, blues e soul, a sua voz pertence à linhagem das grandes cantoras negras, e não desiludirá o público.
Não tenho encómios bastantes para qualificar a mestria de Vijay Iyer, o pianista que abre a noite de sexta-feira. Pianista superlativo, excessivo, dirão, ele é um dos grandes nomes do jazz contemporâneo.
O concerto que se segue, do Ben Rosenblum Nebula Project, e o de encerramento do festival, dos alunos de Ulysses Owens Jr., são do tipo de concertos que marcam a diferença num festival, porque pressupõem que os programadores andam à procura e sabem, e não se limitam a gerir a oferta dos agentes.
Pianista, acordeonista e compositor, Rosenblum, fala de si: in some ways, the Nebula Project is my take on the classic hard-bop jazz format pioneered by people like Art Blakey, Oliver Nelson and Clifford Brown/Max Roach. Se ao «formato» associarmos as suas pesquisas pela música do nordeste brasileiro, os folclores celtas e a música das Caraíbas, teremos a ambição do Nebula Project.
O último dia do festival, enfim, inicia-se com a recriação das históricas sessões Charlie Parker with Strings pelo saxofonista Ricardo Toscano. As sessões assumiram à altura (1949/ 1950) proporções de verdadeiro escândalo ao pretender conciliar a música clássica com jazz, mas tornou-se uma obra mítica. Sendo «Bird» um dos heróis de Ricardo Toscano, seria quase inevitável que um dia ele haveria de arriscar tocar este Bird with Strings. Do lado das cordas estará o Ensemble AH.
O festival completa-se com o Angrajazz Legacy Quintet com Francesco Cafiso, nome de circunstância para o grupo que resulta da curadoria do baterista e professor Ulysses Owens Jr., e a que se juntou o saxofone de Cafiso. Bop, swing, o jazz da tradição, o jazz que não se questiona, a juventude, a alegria do jazz a encerrar o festival.
Seixal Jazz 2024
O segundo festival de Outono é o Seixal Jazz, que comemora também 25 edições. Por longos anos «O» festival de jazz da grande Lisboa, e ele continua a sê-lo apesar da concorrência, e apesar também de alguma irregularidade na programação. Os últimos anos, para além da programação nobre do Fórum Cultural do Seixal, o festival inclui também, ao longo dos dias do festival, uma série de concertos de entrada livre no Seixal Jazz Club, com uma aposta forte em novos grupos e músicos nacionais.
Quatro concertos são obrigatórios: Vijay Iyer, Joel Ross, Kurt Rosenwinkel e os portugueses Foca.
Sobre Vijay Iyer, com que o Seixal Jazz arranca a 10 de Outubro, e escusando-me de me repetir (do que sobre ele escrevi a propósito do Angra Jazz), ele é um dos grandes pianistas da actualidade, de uma modernidade irredutível, e todos os seus concertos são essenciais. Deverá contar com os dois monstros Linda May Han Oh no contrabaixo e Jeremy Dutton na bateria, e isso não será despiciendo.
O concerto dos Foca, de sexta 11, é uma interrogação. Não pelos músicos, que são eles a nata do jazz nacional, de Mário Laginha, André Fernandes e José Pedro Coelho a João Hasselberg e João Pereira; mas das premissas do projecto, que não conheço. O grupo estreou-se na Festa do Jazz de 2021 e no texto de apresentação é dito: os sons acústicos de Mário Laginha, André Fernandes e José Pedro Coelho são processados em tempo real pela eletrónica de João Hasselberg e desenvolvidos na base rítmica da bateria de João Pereira. Nada como ir ver.
O festival retoma na quinta seguinte com o guitarrista Kurt Rosenwinkel, que regressa ao Seixal dezanove anos depois com um novo grupo, com Ben Wendel, Ben Street e Jeff Ballard; tudo músicos de primeiríssimo plano. Rosenwinkel é, não apenas um músico bastante popular entre nós, mas de igual forma um guitarrista influente, e arriscaria que uma boa parte da plateia será preenchida por guitarristas.
Joel Ross, que encerrará o festival, no sábado 19, é uma das mais jovens estrelas da Blue Note, e um dos mais requisitados músicos da actualidade. Vinte e nove anos de idade, quatro discos editados e uma infinidade de colaborações e prémios, justificam a popularidade de Joel Ross, antecipando um grande final para o Seixal Jazz. O Joel Ross’ Good Vibes conta com a banda que toca no seu último disco, Nublues, com excepção da saxofonista, vocalista, compositora, bandleader e artista visual Maria Grand, que se estreará ao lado de Ross.
Outros concertos do Fórum Cultural são os The Attic com Eve Risser, e os Trespass Trio com Susana Santos Silva.
O Seixal Jazz Club tem concertos todos os dias às 23.00 na Sociedade Filarmónica Democrática Timbre Seixalense, e é de notar a forte participação feminina. Os protagonistas são a pianista Clara Lacerda (quinteto), o contrabaixista Francisco Nogueira (quinteto), a saxofonista Eunice Barbosa (quarteto), o guitarrista Zé Cruz (quinteto), o vibrafonista Duarte Ventura (quinteto), e os TAC (André Carvalho, Bernardo Tinoco e Diogo Alexandre).
Leonel Santos
* Este texto foi publicado no Jornal de Letras